sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Excurso

Era uma vez uma individuação indicial. Ser indicialmente puro. Ser-se. Ei-la. Cartografia virtual. Tensão entre a latitude, a longitude e os trópicos. Topologia maquinal. Expoente puramente indicial. Individuação neutral. A-subjectiva. Mapeamento virtual. Eis a ecceidade. Eis a cantilena entoada por um descobridor. Entra-se na pele desse explorador-cartógrafo. Descobre-se por momentos um geógrafo no devir-história e não um historiador na geografia contemporânea. Um cartógrafo em Aïon e não um historiador em Chronos. Entra-se nessa pele, adensa-se na espessura da superfíce. E vê-se. Tenta-se ver. A tentação de ver é o móbil, o rito de passagem, uma das portas de uma de muitas entradas para aceder à topologia da carta. A planificação da zona. Sem rosto. Esse cartógrafo face a face com a natureza não faz mais que registar, apontar, recolher, analisar comparativamente. Traçar bissectrizes mentais, traçar abstractamente. Cartografar virtualmente as ecceidades. Estas ecceidades. Mas, qual mapa fractal que recobre as linhas de costa, o passeio, essa ecceidade, dissemina-se, até devir imperceptível, indiscernível e impessoal. O mapa fractal recobre toda a costa, pedaço a pedaço, parcela a parcela, rocha a rocha, pedra a pedra, grão de areia a grão de areia, até ao infinitamente pequeno. Esquece-se esse explorador.
Agora. Esquece-se. E tenta-se novamente aceder à sala de infografia onde os técnicos, a preparar mais um mapa para a edição do mês seguinte da revista científica não têm rosto. Estão face a face com o terminal de computador, ligado em rede interna, em intranet. Ecrã no limiar, terminal com pedal para a mão. Teclas virtuais para os gestos banais. Porta de muitas entradas, umas das muitas portas de entrada. Interacção de passagem a traçar latitudes e longitudes num tropismo cada vez mais actual. A força informe. In-formar mas não ex-formar. Ex-maquina.
Está-se agora na rua. Na ponta dos olhos-buraco sem brancura em redor. Está-se na multidão informe, na horda sem qualquer vestígio de rostoidade. Avenidas longas e largas fervilham em potência de guerrilha amordaçada pelos costumes, sudários. Argentinos de Bruxelas e Portugueses da Malásia a atravessar o olhar, o ouvir, o cheirar, o tocar, o provar. Verticalmente, mover-se em extensão imóvel deverá ser a topografia virtual, o informe multitudismo actual e as muitas portas de muitas passagens. Devir-multidão. In-formação.
Ouve-se então Música. Silenciosa a sentar-se de frente para si. Face a face de rosto em ipseidade. Dasein. Il ya.
Banal. Anómalo. Contemporaneidade pura. Indicialidade do banal. Cartografia virtual do banal. Essa banalidade. Ba-na-li-da-de contemporânea. Banalizada já sem balizas pela comunicação global, pelas ecceidades informacionais, os fluxos em emissão rádio, em emissão têvê, em ondas telemóvel, em sem-fios, em t.s.f.. Ecceidades-beat, pulsações-ritmo invisíveis, indizíveis, digitais mas sem sequer serem digitadas, dirigidas a destinatário algum senão à própria globalidade destinada, predestinada, programada, projectada em work in progress plurívoco.
Quem coloca as ecceidades? O que as semeia? Como germinam? Como ervas daninhas, ou como pós-ervas já geneticamente alteradas, sem qualquer raiz etimológica vegetal. Deleuze mata a árvore e ergue a filosofia rizomática. A Dolly mata o rizoma. Há pós-rizoma. Há pós-ecceidade. Pós de ecceidade? A ecceidade em pó seria ainda essa. Não. Hiper-ecceidade, hipertrofia, apenas sobra o excesso. Sem falha. Um excesso pleno e total. No fundo do copo de shot está uma pequena luz líquida que reflecte o vodka, ecceidade igual à de todas as pequenas luzes líquidas dos cristais luminosos dos aeroportos internacionais das capitais globais do mundo, ecceidade bebível. Desaparecimento absoluto de ecceidade. Desta ecceidade. Ecceidade TAZ: Temporary Autonomous Zone, Temporary Autonomous Hecceity. TAH, isto é, Ecceidade Temporariamente Autónoma, ETA. Uma bomba etarra é uma ecceidade. Ecceidade de contrabando que vale em termos da economia geral da produção de droga colombiana. Ecceidade ainda depois do estalar da bomba que mata uma portuguesa de férias em Barcelona e arrasa duas torres e mais duas mil pessoas e ex-plode uma estação de comboios suburbanos e mais duzentas pessoas? Não são estes atentados (estes são agendados) que evidenciam as coordenadas cartográficas das ecceidades; são antes os extra-grafos fora de órbita que, como meteoritos, se tornam presentes, quais pedras essenciais de tacto, contacto, impacto, choque; pedras de toque que irrompem do texto e para o texto, da vida e para a vida, como bombistas, mas sem ser: sempre como, mas sem-ser. A ecceidade é, essencialmente, temporária, acontecer. Ecceidade = Acontecimento. Essência temporária, nómada, género música no topo da tabela dos discos mais vendidos que flutua de frequência em frequência modelada, ao sabor da digitação do dedo nos botões-sensores dos autorádios de uma multidão a caminho do Algarve no fim de semana de 15 de Agosto. Autoestrada rizomática, longitude para sul e latitude de automóvel para automóvel. É sempre do Sul que surge a irrupção. Móvel automático que tem no seu interior um, dois, três, quatro, cinco órgãos. Cada um desses órgão ouvidos vezes dois. A indicialidade pura, flutua aleatoriamente de frequência temporária em frequência modelada.
A ideia, no final deste excurso, é esta: dizer que a ETA – Ecceidade Temporariamente Autónoma – se diz da intempestividade, da efemeridade, do e-momento (momento electrónico). Mais que do tempo, do movimento ou espaço, o acontecimento é matar o momento, caminhando para o pós-momento, algo da ordem da ex-plosão espelhada = Hipérbole. Hiper-ecceidade. Hiperecceidade em ETA. Finalmente, numa espécie de fusão nuclear ex-plodir a ecceidade em génese. A hiperecceidade contemporânea.
Mas essa hiperecceidade ainda tida como princípio de individuação, como singularização de um acontecimento puro, de expressividade impessoal, nem por contemporaneidade é mais livre. Basta abrir o tamanho da cela, expandi-la até ao universo, ao cosmos, e tem-se uma cela enorme onde tudo cabe: tudo preso. Nada livre. E a hiperecceidade não é esse nada que se encontra livre. É indiciada. E se chegasse a ser nada então seria isso mesmo, a falha e o vazio que faz parte do plano, tudo o que resta. Porque mesmo hiperbolizada, a ecceidade está indexada, está presa… presa ao homem... ao demasiado humano.

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