Estética da Ecceidade
Esthétique de l'Eccéité
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
Excurso
Era uma vez uma individuação indicial. Ser indicialmente puro. Ser-se. Ei-la. Cartografia virtual. Tensão entre a latitude, a longitude e os trópicos. Topologia maquinal. Expoente puramente indicial. Individuação neutral. A-subjectiva. Mapeamento virtual. Eis a ecceidade. Eis a cantilena entoada por um descobridor. Entra-se na pele desse explorador-cartógrafo. Descobre-se por momentos um geógrafo no devir-história e não um historiador na geografia contemporânea. Um cartógrafo em Aïon e não um historiador em Chronos. Entra-se nessa pele, adensa-se na espessura da superfíce. E vê-se. Tenta-se ver. A tentação de ver é o móbil, o rito de passagem, uma das portas de uma de muitas entradas para aceder à topologia da carta. A planificação da zona. Sem rosto. Esse cartógrafo face a face com a natureza não faz mais que registar, apontar, recolher, analisar comparativamente. Traçar bissectrizes mentais, traçar abstractamente. Cartografar virtualmente as ecceidades. Estas ecceidades. Mas, qual mapa fractal que recobre as linhas de costa, o passeio, essa ecceidade, dissemina-se, até devir imperceptível, indiscernível e impessoal. O mapa fractal recobre toda a costa, pedaço a pedaço, parcela a parcela, rocha a rocha, pedra a pedra, grão de areia a grão de areia, até ao infinitamente pequeno. Esquece-se esse explorador.
Agora. Esquece-se. E tenta-se novamente aceder à sala de infografia onde os técnicos, a preparar mais um mapa para a edição do mês seguinte da revista científica não têm rosto. Estão face a face com o terminal de computador, ligado em rede interna, em intranet. Ecrã no limiar, terminal com pedal para a mão. Teclas virtuais para os gestos banais. Porta de muitas entradas, umas das muitas portas de entrada. Interacção de passagem a traçar latitudes e longitudes num tropismo cada vez mais actual. A força informe. In-formar mas não ex-formar. Ex-maquina.
Está-se agora na rua. Na ponta dos olhos-buraco sem brancura em redor. Está-se na multidão informe, na horda sem qualquer vestígio de rostoidade. Avenidas longas e largas fervilham em potência de guerrilha amordaçada pelos costumes, sudários. Argentinos de Bruxelas e Portugueses da Malásia a atravessar o olhar, o ouvir, o cheirar, o tocar, o provar. Verticalmente, mover-se em extensão imóvel deverá ser a topografia virtual, o informe multitudismo actual e as muitas portas de muitas passagens. Devir-multidão. In-formação.
Ouve-se então Música. Silenciosa a sentar-se de frente para si. Face a face de rosto em ipseidade. Dasein. Il ya.
Banal. Anómalo. Contemporaneidade pura. Indicialidade do banal. Cartografia virtual do banal. Essa banalidade. Ba-na-li-da-de contemporânea. Banalizada já sem balizas pela comunicação global, pelas ecceidades informacionais, os fluxos em emissão rádio, em emissão têvê, em ondas telemóvel, em sem-fios, em t.s.f.. Ecceidades-beat, pulsações-ritmo invisíveis, indizíveis, digitais mas sem sequer serem digitadas, dirigidas a destinatário algum senão à própria globalidade destinada, predestinada, programada, projectada em work in progress plurívoco.
Quem coloca as ecceidades? O que as semeia? Como germinam? Como ervas daninhas, ou como pós-ervas já geneticamente alteradas, sem qualquer raiz etimológica vegetal. Deleuze mata a árvore e ergue a filosofia rizomática. A Dolly mata o rizoma. Há pós-rizoma. Há pós-ecceidade. Pós de ecceidade? A ecceidade em pó seria ainda essa. Não. Hiper-ecceidade, hipertrofia, apenas sobra o excesso. Sem falha. Um excesso pleno e total. No fundo do copo de shot está uma pequena luz líquida que reflecte o vodka, ecceidade igual à de todas as pequenas luzes líquidas dos cristais luminosos dos aeroportos internacionais das capitais globais do mundo, ecceidade bebível. Desaparecimento absoluto de ecceidade. Desta ecceidade. Ecceidade TAZ: Temporary Autonomous Zone, Temporary Autonomous Hecceity. TAH, isto é, Ecceidade Temporariamente Autónoma, ETA. Uma bomba etarra é uma ecceidade. Ecceidade de contrabando que vale em termos da economia geral da produção de droga colombiana. Ecceidade ainda depois do estalar da bomba que mata uma portuguesa de férias em Barcelona e arrasa duas torres e mais duas mil pessoas e ex-plode uma estação de comboios suburbanos e mais duzentas pessoas? Não são estes atentados (estes são agendados) que evidenciam as coordenadas cartográficas das ecceidades; são antes os extra-grafos fora de órbita que, como meteoritos, se tornam presentes, quais pedras essenciais de tacto, contacto, impacto, choque; pedras de toque que irrompem do texto e para o texto, da vida e para a vida, como bombistas, mas sem ser: sempre como, mas sem-ser. A ecceidade é, essencialmente, temporária, acontecer. Ecceidade = Acontecimento. Essência temporária, nómada, género música no topo da tabela dos discos mais vendidos que flutua de frequência em frequência modelada, ao sabor da digitação do dedo nos botões-sensores dos autorádios de uma multidão a caminho do Algarve no fim de semana de 15 de Agosto. Autoestrada rizomática, longitude para sul e latitude de automóvel para automóvel. É sempre do Sul que surge a irrupção. Móvel automático que tem no seu interior um, dois, três, quatro, cinco órgãos. Cada um desses órgão ouvidos vezes dois. A indicialidade pura, flutua aleatoriamente de frequência temporária em frequência modelada.
A ideia, no final deste excurso, é esta: dizer que a ETA – Ecceidade Temporariamente Autónoma – se diz da intempestividade, da efemeridade, do e-momento (momento electrónico). Mais que do tempo, do movimento ou espaço, o acontecimento é matar o momento, caminhando para o pós-momento, algo da ordem da ex-plosão espelhada = Hipérbole. Hiper-ecceidade. Hiperecceidade em ETA. Finalmente, numa espécie de fusão nuclear ex-plodir a ecceidade em génese. A hiperecceidade contemporânea.
Mas essa hiperecceidade ainda tida como princípio de individuação, como singularização de um acontecimento puro, de expressividade impessoal, nem por contemporaneidade é mais livre. Basta abrir o tamanho da cela, expandi-la até ao universo, ao cosmos, e tem-se uma cela enorme onde tudo cabe: tudo preso. Nada livre. E a hiperecceidade não é esse nada que se encontra livre. É indiciada. E se chegasse a ser nada então seria isso mesmo, a falha e o vazio que faz parte do plano, tudo o que resta. Porque mesmo hiperbolizada, a ecceidade está indexada, está presa… presa ao homem... ao demasiado humano.
Agora. Esquece-se. E tenta-se novamente aceder à sala de infografia onde os técnicos, a preparar mais um mapa para a edição do mês seguinte da revista científica não têm rosto. Estão face a face com o terminal de computador, ligado em rede interna, em intranet. Ecrã no limiar, terminal com pedal para a mão. Teclas virtuais para os gestos banais. Porta de muitas entradas, umas das muitas portas de entrada. Interacção de passagem a traçar latitudes e longitudes num tropismo cada vez mais actual. A força informe. In-formar mas não ex-formar. Ex-maquina.
Está-se agora na rua. Na ponta dos olhos-buraco sem brancura em redor. Está-se na multidão informe, na horda sem qualquer vestígio de rostoidade. Avenidas longas e largas fervilham em potência de guerrilha amordaçada pelos costumes, sudários. Argentinos de Bruxelas e Portugueses da Malásia a atravessar o olhar, o ouvir, o cheirar, o tocar, o provar. Verticalmente, mover-se em extensão imóvel deverá ser a topografia virtual, o informe multitudismo actual e as muitas portas de muitas passagens. Devir-multidão. In-formação.
Ouve-se então Música. Silenciosa a sentar-se de frente para si. Face a face de rosto em ipseidade. Dasein. Il ya.
Banal. Anómalo. Contemporaneidade pura. Indicialidade do banal. Cartografia virtual do banal. Essa banalidade. Ba-na-li-da-de contemporânea. Banalizada já sem balizas pela comunicação global, pelas ecceidades informacionais, os fluxos em emissão rádio, em emissão têvê, em ondas telemóvel, em sem-fios, em t.s.f.. Ecceidades-beat, pulsações-ritmo invisíveis, indizíveis, digitais mas sem sequer serem digitadas, dirigidas a destinatário algum senão à própria globalidade destinada, predestinada, programada, projectada em work in progress plurívoco.
Quem coloca as ecceidades? O que as semeia? Como germinam? Como ervas daninhas, ou como pós-ervas já geneticamente alteradas, sem qualquer raiz etimológica vegetal. Deleuze mata a árvore e ergue a filosofia rizomática. A Dolly mata o rizoma. Há pós-rizoma. Há pós-ecceidade. Pós de ecceidade? A ecceidade em pó seria ainda essa. Não. Hiper-ecceidade, hipertrofia, apenas sobra o excesso. Sem falha. Um excesso pleno e total. No fundo do copo de shot está uma pequena luz líquida que reflecte o vodka, ecceidade igual à de todas as pequenas luzes líquidas dos cristais luminosos dos aeroportos internacionais das capitais globais do mundo, ecceidade bebível. Desaparecimento absoluto de ecceidade. Desta ecceidade. Ecceidade TAZ: Temporary Autonomous Zone, Temporary Autonomous Hecceity. TAH, isto é, Ecceidade Temporariamente Autónoma, ETA. Uma bomba etarra é uma ecceidade. Ecceidade de contrabando que vale em termos da economia geral da produção de droga colombiana. Ecceidade ainda depois do estalar da bomba que mata uma portuguesa de férias em Barcelona e arrasa duas torres e mais duas mil pessoas e ex-plode uma estação de comboios suburbanos e mais duzentas pessoas? Não são estes atentados (estes são agendados) que evidenciam as coordenadas cartográficas das ecceidades; são antes os extra-grafos fora de órbita que, como meteoritos, se tornam presentes, quais pedras essenciais de tacto, contacto, impacto, choque; pedras de toque que irrompem do texto e para o texto, da vida e para a vida, como bombistas, mas sem ser: sempre como, mas sem-ser. A ecceidade é, essencialmente, temporária, acontecer. Ecceidade = Acontecimento. Essência temporária, nómada, género música no topo da tabela dos discos mais vendidos que flutua de frequência em frequência modelada, ao sabor da digitação do dedo nos botões-sensores dos autorádios de uma multidão a caminho do Algarve no fim de semana de 15 de Agosto. Autoestrada rizomática, longitude para sul e latitude de automóvel para automóvel. É sempre do Sul que surge a irrupção. Móvel automático que tem no seu interior um, dois, três, quatro, cinco órgãos. Cada um desses órgão ouvidos vezes dois. A indicialidade pura, flutua aleatoriamente de frequência temporária em frequência modelada.
A ideia, no final deste excurso, é esta: dizer que a ETA – Ecceidade Temporariamente Autónoma – se diz da intempestividade, da efemeridade, do e-momento (momento electrónico). Mais que do tempo, do movimento ou espaço, o acontecimento é matar o momento, caminhando para o pós-momento, algo da ordem da ex-plosão espelhada = Hipérbole. Hiper-ecceidade. Hiperecceidade em ETA. Finalmente, numa espécie de fusão nuclear ex-plodir a ecceidade em génese. A hiperecceidade contemporânea.
Mas essa hiperecceidade ainda tida como princípio de individuação, como singularização de um acontecimento puro, de expressividade impessoal, nem por contemporaneidade é mais livre. Basta abrir o tamanho da cela, expandi-la até ao universo, ao cosmos, e tem-se uma cela enorme onde tudo cabe: tudo preso. Nada livre. E a hiperecceidade não é esse nada que se encontra livre. É indiciada. E se chegasse a ser nada então seria isso mesmo, a falha e o vazio que faz parte do plano, tudo o que resta. Porque mesmo hiperbolizada, a ecceidade está indexada, está presa… presa ao homem... ao demasiado humano.
segunda-feira, 30 de junho de 2008
Já há capa gráfica...
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Pelo Picotado / À Découper
O seguinte texto (Manifesto da Ecceidade) poderá ser encontrado na última página da Estética da Ecceidade, assim que publicado, e livremente retirado pelo picotado (a menos que a editora assim não o entenda). Voltarei com mais pormenores. De qualquer forma, é aqui dado à leitura.
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Manifesto da Ecceidade / Manifeste de l'Eccéité
Não há haecceitas enquanto ultima actualitas forma ou sequer individuae. É, em acto, singularização neutralizante mas não esvaziante: criação de CsO. É relacional sem relata. Temporal mas só no espaço, espacial mas só no tempo: movimento puro sem sair do lugar (qual nómada sentado na areia do deserto). Acontecimento.
O recurso de Deleuze e Guattari a Duns Escoto para usarem e expandirem a ecceidade é mais que claro quando se não quer diminuir a importância de pensar a identidade do anonimato, a singularização do neutro. Mas a própria mecânica quântica cai no patético da contraditória afirmação de uma Existência: “com maiúscula”, sublinha Ulrich Morhro, enquanto argumenta a falência da ecceidade pela impossibilidade de re-identificação de uma partícula elementar antes e depois de ter sido submetida à acção de disseminação num laboratório de aceleração de partículas. “É a mesma ou outra qualquer idêntica”, diz. É o limite do argumento que podemos conhecer aqui. Contraditoriamente, afirma que, não se partindo do ponto de vista de um framework laboratorial mas sim de uma posição relativa e mais ou menos difusa entre idênticos, então que sim … que há efectivamente identidade, diferença, na repetição. Há diferença na repetição se a considerarmos em si. Só faltava dizer, “na sua ecceidade”.
A ecceidade (inaugurada por João Duns Escoto, revisitada por Martin Heidegger e reciclada por Gilles Deleuze) é aqui utilizada como noção abstracta, servindo de leitmotiv ao texto-processo; quanto ao hiper, que lhe pertence, é o móbil dos agenciamentos textuais rumo a um aumento e a uma dissipação de pluralidades singulares. É este hiper da ecceidade que significa a comunicação aparelhada pelas novas tecnologias – como os e-mails e os chats, centros de produção de comunicados que exigem a criação de máscaras individuais plurais por parte dos utilizadores (já não sujeitos mas ainda privados) digitais que já apenas têm identidades construídas sobre camadas, e se resumem a uma sublimação de ecceidades, como os anjos ou os monstros.
A Webness, e de uma forma alargada, toda a comunicação estética intrínseca aos media contemporâneos, é plano de imanência, e puro Aïon, por onde as individuações tensivas se autonomizam, temporariamente, em zonas não cartografáveis, em zonas essenciais e t(r)opológicas. As ecceidades hipertrofiadas e mediadas pela técnica constituem assim a narração aqui expressa.
Toma-se o termo ecceidade num movimento enviesado, como individuações-movimento, como fluxos imagéticos, como coordenadas instáveis, como configurações temporárias; e toma-se o conceito hiper-ecceidade como quem toma um comprimido estranho e sintético e ao mesmo tempo protoplásmico, como uma absorção de pixéis-ritmo, uma afectação de correntes-frame, uma impregnação em edit-loop, como um retomar de nada, um clipboard-amnésia que é já pós-momento.
A lógica dicotómica do in e out, do on e off, do incluído e excluído, é antevista aqui ainda numa visão binária mas já não exclusiva, antes inclusiva e extensiva, de modo que o digital é caminho para a passagem entre - será o in between, será o in the mean –, será, enfim, a passagem o essencial deste escrito. Ora as passagens, como os túneis, as travessas, as esquinas, os elevadores ou, num plano mais acelerado e amplificado pelas máquinas-motores, as autoestradas e os aeroportos, são Zonas Temporariamente Autónomas (ZTA), como uma conexão que se faz e desfaz constantemente na Web ou em qualquer outra rede de comunicação (um grupo de trabalho por exemplo). Estas passagens-conexões/ desconexões, estes nódulos, têm como pano de fundo a essência que os estrutura-desestrutura, um plano de consistência. São assim alguns dos planos (bolbos/ palcos diriam Deleuze e Guattari, volúpias encenadas diria Pierre Klossowski) dobrados e desdobrados, feitos de próteses e extensões irruputivas, que se pretende aqui activar, de maneira a que possa haver tacto, contacto, impacto, choque… de modo a que possa, pelo menos, haver afectação-presença na eminência constante da desligação-ausência.
O ordenador, termo francês para designar o computador, é bem ilustrativo da nova ordem que é a não ordem – ordem própria do caos que deixa em aberto o lugar da ordem num ordenamento evolutivo-caótico ordenado à sua própria imagem em turbilhão vertiginoso e re-flexivo. Os limites deste caos são, no entanto, os limites de sempre: os da sua contemporaneidade civilizacional, filosófica e metafísica, em suma, os da sua cultura – no caso a pós-moderna.
Dados perceptivos enquanto singularidades estéticas… indicialidades puras, noções de valor afectivo com gradientes valorativas – percepção de individuações: acontecimentos. A ecceidade é encenação, cénica natural, é uma estética individual e contextual ao mesmo tempo que é sincrética. Centrífuga e centrípeta, a ecceidade é paisagem conceptual digna de uma indicialidade cultural contemporânea, na medida em que os seus agenciamentos são solicitações plurais e co-presentes, movendo-se numa pluralidade que apenas a estética (não estática mas estésica) torna acontecimento. Esta estética é percepção distraída, memória involuntária, afectada e infectada pelas ecceidades – uma Intifada em que as ecceidades são pedras.
Sincretismos. É tempo de fruição, de excesso, de simulação de desejo e de prazeres individuais, é tempo de ligações e de contactos pontuais; são máximas do presente conceitos como hedonismo, individualismo, pós-modernidade, fragmentação, ruído, vazio, mutismo, saturação, revisitação, des-subjectivação, alterização, diferença, hiper-realidade, caos, virtual, informe, monstruoso, vertigem, aceleração e repetição, para apenas mencionar alguns dos termos mais em voga na contemporaneidade comunicacional ocidental. Trata-se, essencialmente, de um momento em que a velocidade sem tempo ou o tempo sem velocidade discursiva mas antes lateralizada, em paralelo, em padrão, se encontra inserida num espaço que por sua vez é neo-natural e balizado pelas máximas da representação naturalizante instituída pelas chaves da genética que em códigos naturalizam tudo. Ora, sendo tudo natural, nada o é, e é mais uma dicotomia que cai, tal como o dentro e o fora, o outro e o eu, o corpo e a alma, etc. Temos então a dissolução do natural e do ficcional / artificial / tecnológico / criativo-combinatório. Ou seja, a indistinção da diferença e da repetição, pois dir-se-á que ambos são conceitos de um só lugar-movimento: duas faces da mesma moeda.
Quando a dissolução é total vale a regra do jogo da emoção. Pois é o único leitmotiv possível e, quando assim é, a emoção torna-se moção sensível, e-moção, e o jogo instaura-se. O jogo novamente dos corpos mas de corpos quase etéreos, que é o mesmo que dizer corpos fantasmáticos ou simulados porque não formalmente constituídos, mas intuídos, adivinhados, pré-sentidos, pré-vistos. É essa não constituição formal dos corpos que faz da cénica contemporânea uma roda viva de conexões desejantes que se desregulam aleatoriamente num movimento de entropia e degeneração rumo à não-diferenciação. À diferença da diferença que é a repetição do mesmo em vertigem sem se constituir – em suspensão (suspensão imagética sentida pelo tacto e não recebida pelos olhos, é estesia). Mas desta simulação vertiginosa do mesmo, mîse-en-abyme, irrompe uma nova diferença gerada nas passagens, ecceidades.
Encontra-se, agora, esboçada uma certa cartografia mas falta ainda deambular pelas abrangências da corrente extra-grafada, extra-grafos. São os fluxos contextuais que multiplicam e alterizam os contextos em diversos planos, de modo a registarem-se paralelos comunicados em estesia. Comunicados sem si à imagem da acção de revelar um segredo que deixa, automaticamente, de o ser. São comunicados que apenas se verificam à medida que se atenta. São estes atentados que agenciam as coordenadas topográficas da carta estética da ecceidade. Aqui se ex-põe. Ser texto: devir-texto. Ser-texto em que os fluxos, as indicialidades, as individuações e as auto-referências lexicais, verbais-infinitivas, impessoais, gramaticais e semânticas se revestem da própria forma que, afinal, não é senão matéria.
O recurso de Deleuze e Guattari a Duns Escoto para usarem e expandirem a ecceidade é mais que claro quando se não quer diminuir a importância de pensar a identidade do anonimato, a singularização do neutro. Mas a própria mecânica quântica cai no patético da contraditória afirmação de uma Existência: “com maiúscula”, sublinha Ulrich Morhro, enquanto argumenta a falência da ecceidade pela impossibilidade de re-identificação de uma partícula elementar antes e depois de ter sido submetida à acção de disseminação num laboratório de aceleração de partículas. “É a mesma ou outra qualquer idêntica”, diz. É o limite do argumento que podemos conhecer aqui. Contraditoriamente, afirma que, não se partindo do ponto de vista de um framework laboratorial mas sim de uma posição relativa e mais ou menos difusa entre idênticos, então que sim … que há efectivamente identidade, diferença, na repetição. Há diferença na repetição se a considerarmos em si. Só faltava dizer, “na sua ecceidade”.
A ecceidade (inaugurada por João Duns Escoto, revisitada por Martin Heidegger e reciclada por Gilles Deleuze) é aqui utilizada como noção abstracta, servindo de leitmotiv ao texto-processo; quanto ao hiper, que lhe pertence, é o móbil dos agenciamentos textuais rumo a um aumento e a uma dissipação de pluralidades singulares. É este hiper da ecceidade que significa a comunicação aparelhada pelas novas tecnologias – como os e-mails e os chats, centros de produção de comunicados que exigem a criação de máscaras individuais plurais por parte dos utilizadores (já não sujeitos mas ainda privados) digitais que já apenas têm identidades construídas sobre camadas, e se resumem a uma sublimação de ecceidades, como os anjos ou os monstros.
A Webness, e de uma forma alargada, toda a comunicação estética intrínseca aos media contemporâneos, é plano de imanência, e puro Aïon, por onde as individuações tensivas se autonomizam, temporariamente, em zonas não cartografáveis, em zonas essenciais e t(r)opológicas. As ecceidades hipertrofiadas e mediadas pela técnica constituem assim a narração aqui expressa.
Toma-se o termo ecceidade num movimento enviesado, como individuações-movimento, como fluxos imagéticos, como coordenadas instáveis, como configurações temporárias; e toma-se o conceito hiper-ecceidade como quem toma um comprimido estranho e sintético e ao mesmo tempo protoplásmico, como uma absorção de pixéis-ritmo, uma afectação de correntes-frame, uma impregnação em edit-loop, como um retomar de nada, um clipboard-amnésia que é já pós-momento.
A lógica dicotómica do in e out, do on e off, do incluído e excluído, é antevista aqui ainda numa visão binária mas já não exclusiva, antes inclusiva e extensiva, de modo que o digital é caminho para a passagem entre - será o in between, será o in the mean –, será, enfim, a passagem o essencial deste escrito. Ora as passagens, como os túneis, as travessas, as esquinas, os elevadores ou, num plano mais acelerado e amplificado pelas máquinas-motores, as autoestradas e os aeroportos, são Zonas Temporariamente Autónomas (ZTA), como uma conexão que se faz e desfaz constantemente na Web ou em qualquer outra rede de comunicação (um grupo de trabalho por exemplo). Estas passagens-conexões/ desconexões, estes nódulos, têm como pano de fundo a essência que os estrutura-desestrutura, um plano de consistência. São assim alguns dos planos (bolbos/ palcos diriam Deleuze e Guattari, volúpias encenadas diria Pierre Klossowski) dobrados e desdobrados, feitos de próteses e extensões irruputivas, que se pretende aqui activar, de maneira a que possa haver tacto, contacto, impacto, choque… de modo a que possa, pelo menos, haver afectação-presença na eminência constante da desligação-ausência.
O ordenador, termo francês para designar o computador, é bem ilustrativo da nova ordem que é a não ordem – ordem própria do caos que deixa em aberto o lugar da ordem num ordenamento evolutivo-caótico ordenado à sua própria imagem em turbilhão vertiginoso e re-flexivo. Os limites deste caos são, no entanto, os limites de sempre: os da sua contemporaneidade civilizacional, filosófica e metafísica, em suma, os da sua cultura – no caso a pós-moderna.
Dados perceptivos enquanto singularidades estéticas… indicialidades puras, noções de valor afectivo com gradientes valorativas – percepção de individuações: acontecimentos. A ecceidade é encenação, cénica natural, é uma estética individual e contextual ao mesmo tempo que é sincrética. Centrífuga e centrípeta, a ecceidade é paisagem conceptual digna de uma indicialidade cultural contemporânea, na medida em que os seus agenciamentos são solicitações plurais e co-presentes, movendo-se numa pluralidade que apenas a estética (não estática mas estésica) torna acontecimento. Esta estética é percepção distraída, memória involuntária, afectada e infectada pelas ecceidades – uma Intifada em que as ecceidades são pedras.
Sincretismos. É tempo de fruição, de excesso, de simulação de desejo e de prazeres individuais, é tempo de ligações e de contactos pontuais; são máximas do presente conceitos como hedonismo, individualismo, pós-modernidade, fragmentação, ruído, vazio, mutismo, saturação, revisitação, des-subjectivação, alterização, diferença, hiper-realidade, caos, virtual, informe, monstruoso, vertigem, aceleração e repetição, para apenas mencionar alguns dos termos mais em voga na contemporaneidade comunicacional ocidental. Trata-se, essencialmente, de um momento em que a velocidade sem tempo ou o tempo sem velocidade discursiva mas antes lateralizada, em paralelo, em padrão, se encontra inserida num espaço que por sua vez é neo-natural e balizado pelas máximas da representação naturalizante instituída pelas chaves da genética que em códigos naturalizam tudo. Ora, sendo tudo natural, nada o é, e é mais uma dicotomia que cai, tal como o dentro e o fora, o outro e o eu, o corpo e a alma, etc. Temos então a dissolução do natural e do ficcional / artificial / tecnológico / criativo-combinatório. Ou seja, a indistinção da diferença e da repetição, pois dir-se-á que ambos são conceitos de um só lugar-movimento: duas faces da mesma moeda.
Quando a dissolução é total vale a regra do jogo da emoção. Pois é o único leitmotiv possível e, quando assim é, a emoção torna-se moção sensível, e-moção, e o jogo instaura-se. O jogo novamente dos corpos mas de corpos quase etéreos, que é o mesmo que dizer corpos fantasmáticos ou simulados porque não formalmente constituídos, mas intuídos, adivinhados, pré-sentidos, pré-vistos. É essa não constituição formal dos corpos que faz da cénica contemporânea uma roda viva de conexões desejantes que se desregulam aleatoriamente num movimento de entropia e degeneração rumo à não-diferenciação. À diferença da diferença que é a repetição do mesmo em vertigem sem se constituir – em suspensão (suspensão imagética sentida pelo tacto e não recebida pelos olhos, é estesia). Mas desta simulação vertiginosa do mesmo, mîse-en-abyme, irrompe uma nova diferença gerada nas passagens, ecceidades.
Encontra-se, agora, esboçada uma certa cartografia mas falta ainda deambular pelas abrangências da corrente extra-grafada, extra-grafos. São os fluxos contextuais que multiplicam e alterizam os contextos em diversos planos, de modo a registarem-se paralelos comunicados em estesia. Comunicados sem si à imagem da acção de revelar um segredo que deixa, automaticamente, de o ser. São comunicados que apenas se verificam à medida que se atenta. São estes atentados que agenciam as coordenadas topográficas da carta estética da ecceidade. Aqui se ex-põe. Ser texto: devir-texto. Ser-texto em que os fluxos, as indicialidades, as individuações e as auto-referências lexicais, verbais-infinitivas, impessoais, gramaticais e semânticas se revestem da própria forma que, afinal, não é senão matéria.
quarta-feira, 14 de maio de 2008
Entretanto...
Enquanto não se publica o livro, aqui fica um excerto, um extracto, do que lá se poderá ler:
Quando somos nós, cada um de nós? Quando somos um indivíduo? Que indivíduo somos? Quando, como e onde sou eu, quem? Por que sou um acontecimento? Quanto posso ser? Quantos, até? Haverá uma essência singular da existência individual? Uma multiplicidade serial do ser unívoco? Seremos uma voz indiferenciada num oceano de vozes que se fundem e mesclam num univox global? Ou seremos gota-voz, parte diferencial e diferenciada a-cada-vez-que-se-encontra, que se colhe, que se arranca, que se observa; em suma, de-cada-vez-que-se-individua relativamente a um observador: uma sensação, um acontecimento, um pensamento, um devaneio, um capricho, uma loucura? Onde começa o indivíduo, onde acaba, onde se liga entretanto? Como se fixa uma vida em determinados acontecimentos que o fazem devir aquilo que é – pela força de uma mão? Um ser de devires, em permanente processo de individuação: colectivo (compósito), individual (material), relativo (formal). Se a individuação de uma vida que devém através de agregados, de blocos de ecceidades permite a sua auto-captura, como arrancar uma ecceidade desse processo de individuação singular e agenciá-la com outra, ou outras? O que se consegue então? O que se constitui? O que fica composto? Um plano de imanência intensivo, latitudinal. Se for antes uma multiplicidade de ecceidades inerentes ao plano de uma vida teremos um plano de imanência vertical, extensivo, longitudinal, constituição de uma singularidade. Haverá uma carta possível nas intersecções destas coordenadas? Será possível um mapa da relatividade, uma geografia ou até uma topologia de espaços vagos e fluidos onde, quais fractais, nos possamos afirmar como vidas diferenciadas, acontecimentos, catástrofes meteóricas, em devires no caos de uma vida. Uma carta virtual de um arquipélago em actualização, sem ilhas nem mar, onde, debaixo do Sol, ao meio dia, quando o plano de imanência é pura luz – entre entropia e neguentropia – se constituem os trópicos de zona.
Quando somos nós, cada um de nós? Quando somos um indivíduo? Que indivíduo somos? Quando, como e onde sou eu, quem? Por que sou um acontecimento? Quanto posso ser? Quantos, até? Haverá uma essência singular da existência individual? Uma multiplicidade serial do ser unívoco? Seremos uma voz indiferenciada num oceano de vozes que se fundem e mesclam num univox global? Ou seremos gota-voz, parte diferencial e diferenciada a-cada-vez-que-se-encontra, que se colhe, que se arranca, que se observa; em suma, de-cada-vez-que-se-individua relativamente a um observador: uma sensação, um acontecimento, um pensamento, um devaneio, um capricho, uma loucura? Onde começa o indivíduo, onde acaba, onde se liga entretanto? Como se fixa uma vida em determinados acontecimentos que o fazem devir aquilo que é – pela força de uma mão? Um ser de devires, em permanente processo de individuação: colectivo (compósito), individual (material), relativo (formal). Se a individuação de uma vida que devém através de agregados, de blocos de ecceidades permite a sua auto-captura, como arrancar uma ecceidade desse processo de individuação singular e agenciá-la com outra, ou outras? O que se consegue então? O que se constitui? O que fica composto? Um plano de imanência intensivo, latitudinal. Se for antes uma multiplicidade de ecceidades inerentes ao plano de uma vida teremos um plano de imanência vertical, extensivo, longitudinal, constituição de uma singularidade. Haverá uma carta possível nas intersecções destas coordenadas? Será possível um mapa da relatividade, uma geografia ou até uma topologia de espaços vagos e fluidos onde, quais fractais, nos possamos afirmar como vidas diferenciadas, acontecimentos, catástrofes meteóricas, em devires no caos de uma vida. Uma carta virtual de um arquipélago em actualização, sem ilhas nem mar, onde, debaixo do Sol, ao meio dia, quando o plano de imanência é pura luz – entre entropia e neguentropia – se constituem os trópicos de zona.
segunda-feira, 5 de maio de 2008
Publicação: Estética da Ecceidade
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